

Em 2025, o governo moçambicano anunciou a entrega de 100 e mais rumores de 300 tractores equipados com trailers adaptados para transportar passageiros nas zonas rurais com má qualidade das estradas. A proposta foi apresentada como uma solução imediata para superar a escassez de meios de transporte e melhorar a mobilidade. Mas será que os tractores são uma solução viável ou uma distracção lamentável que ignora a verdadeira prioridade, que são as estradas?

A realidade do transporte público nas zonas rurais de Moçambique
Nas áreas rurais moçambicanas, o transporte público é escasso. A maioria da população depende de chapas improvisadas, mototáxis ou viagens a pé para acesso a serviços básicos e mercados. O mau estado das estradas secundárias e terciárias, combinado com a baixa densidade populacional, torna a operação de linhas regulares economicamente inviável.
Essa deficiência afeta diretamente os agricultores: os custos de deslocação aumentam, o mercado fica distante, o isolamento se agrava e o acesso à saúde e educação é prejudicado
Tractores como transporte público: a decisão governamental
O governo, por meio do Fundo de Desenvolvimento de Transportes e Comunicações (FTC), anunciou a compra de 100 tratores adaptados com trailers fechados e assentos acolchoados para transporte de pessoas nas zonas rurais, iniciando a distribuição pela província de Cabo Delgado e expandindo-se gradualmente.
Segundo declarações oficiais, os veículos foram adaptados para enfrentar calor, poeira e chuva, com cadeiras acolchoadas e proteções laterais, considerados confortáveis e seguros.
“Apesar de surgirem rumores de que o número de tractores pudesse subir para 400 unidades, todos os comunicados oficiais e cobertura da imprensa referem-se unicamente à compra de 100 tractores adaptados, sem anúncios formais de expansão.”
Tractores nas estradas: impactos físicos e ambientais
Apesar de adaptados, os tractores não foram concebidos para transportar pessoas por longas distâncias. O peso e design destes veículos os tornam inadequados para vias de terra batida ou lama. Eles elevam os níveis de erosão e aceleram a degradação das estradas não pavimentadas. Com o tempo, isso pode agravar ainda mais a infraestrutura existente.
Além disso, há riscos de acidentes: a estrutura improvisada das trailers não oferece os mesmos padrões de segurança de autocarros ou chapas convencionais. O conforto também é relativo e depende do estado das estradas. A eficiência energética é baixa — tractores consomem mais combustível em terrenos ruins, gerando emissões e custos elevados.
O dilema da infraestrutura rodoviária em Moçambique
Nas últimas décadas, Moçambique enfrentou um ciclo de investimento e destruição de infraestrutura rodoviária. Entre 2012 e 2025, ciclones e inundações causaram prejuízos de centenas de milhões de dólares para reabilitar vias danificadas — o que afetou sobretudo estradas secundárias, especialmente nas províncias de Sofala, Tete, Zambézia, Nampula e Cabo Delgado. Hoje estima-se que cerca de 80% das estradas do país não são pavimentadas, dificultando o acesso rural e elevando os custos logísticos para agricultores e comunidades rurais. Segundo a MTC
A perspetiva dos agricultores: o que realmente seria benéfico?
Para os agricultores de pequena escala, que dominam grande parte do setor agrícola de Moçambique, o acesso a tratores como máquinas para semear e colher deveria ser prioridade. A produção agrícola nacional ainda depende amplamente de técnicas manuais e tração animal, limitando significativamente sua produtividade. Há uma clara necessidade de escoamento adequado dos produtos até os mercados. Isso exigiria estradas transitáveis que permitam o transporte seguro e eficiente de colheitas.
Alternativas inteligentes: onde investir com mais eficiência
Infraestrutura rodoviária
Investir em estradas rurais pavimentadas ou drenadas adequadamente tem impacto duradouro. Um projeto do Banco Mundial de 2018 destinou US$ 150 milhões para melhorar vias na Zambézia e Nampula, beneficiando cerca de 2,2 milhões de habitantes em áreas agrícolas isoladas — com aumento esperado de produtividade e acessibilidade.
Transporte comunitário
Alternativas como mototáxis regulados, minivans e bicicletas adaptadas surgem como soluções mais ágeis e menos agressivas às vias. Em áreas com densidade populacional moderada, esse tipo de transporte pode ser mais adaptado e sustentável.
Transporte urbano estruturado
Para zonas periurbanas, o governo tem planos para adquirir até 390 autocarros, metade movidos a GNV, incluindo veículos adaptados para áreas rurais, além da introdução de serviços de BRT e a transição para ônibus elétricos até 2030.
O papel das ONGs, OGS e comunidades na pressão por políticas públicas sólidas
Organizações não governamentais e associações comunitárias podem desempenhar um papel crucial na defesa de investimentos mais estruturais. A participação nos orçamentos participativos distritais, fóruns locais e debates públicos fortalece a pressão por intervenções abrangentes em favor de infraestrutura sustentável.
Projetos modelos em alguns distritos demonstram que abordagens integradas, com foco em estradas transitáveis e transporte local regulado, são mais eficazes do que a simples distribuição de tratores adaptados.
Tractores como solução temporária ou distração política?
De um olhar crítico, a entrega de tratores adaptados pode ser interpretada como um gesto simbólico: visível, rápido, mas com impacto limitado. Eles podem servir como sinal político de ação imediata, mas a longo prazo agravam os problemas estruturais existentes.
Comparativamente, a construção ou reabilitação de uma estrada promove impacto coletivo: reduz custos de transporte, facilita o escoamento agrícola, diminui o isolamento e melhora o acesso a serviços essenciais com maior dignidade e sustentabilidade.
Conclusão
A proposta de usar tractores como transporte público em Moçambique apresenta um caráter emergencial, mas superficial. Dá a ilusão de solução e protege politicamente, mas não enfrentará a raiz do problema: a infraestrutura rodoviária precária.
Para garantir progresso real, o país precisa reforçar os investimentos em estradas rurais transitáveis. Somente dessa forma será possível promover mobilidade digna, impulsionar a economia agrícola e promover inclusão social duradoura.
FAQs
1. Os tratores são adequados como transporte público?
Não são ideais: foram adaptados para passageiros, mas a sua estrutura e baixa capacidade de travessia tornam-nos inadequados para estradas rurais em mau estado.
2. Por que as estradas são mais importantes que os tratores nas zonas rurais?
Estradas transitáveis reduzem isolamento, melhoram a ligação entre produtores e mercados, e têm impacto coletivo duradouro.
3. Qual o impacto dos tratores nas estradas rurais moçambicanas?
Eles aceleram erosão e degradação, gerando necessidade de manutenção mais frequente e custos mais elevados.
4. Como a melhoria das estradas pode beneficiar os agricultores?
Facilita o escoamento da produção, reduz os custos logísticos, melhora o acesso a serviços e mercados e aumenta a produtividade.
5. Existem alternativas viáveis aos tratores para transporte rural?
Sim. Mototáxis regulamentados, minivans, bicicletas adaptadas e autocarros rurais são opções mais adequadas e sustentáveis.