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Faleceu Papa Francisco, na manhã do dia 21 de Abril

O Papa Francisco faleceu aos 88 anos. Conheça o legado do reformador inesperado, o primeiro Papa latino-americano, que desafiou tradições e colocou os pobres no centro da Igreja

Papa Francisco, fonte g1

O mundo acorda hoje com a notícia ressoou pelo mundo esta manhã, confirmada pelo Vaticano: Jorge Mario Bergoglio, o Papa Francisco, faleceu aos 88 anos. Eram 7h35 em Roma, 7h35 em Moçambique, quando o 266º sucessor de Pedro “regressou à casa do Pai”, como comunicado oficialmente. Termina assim um pontificado de quase doze anos que abalou estruturas, desafiou convenções e trouxe um sotaque argentino – e uma perspetiva do “fim do mundo” – para o coração da Igreja Católica. Francisco não foi um Papa comum desde o início. Em março de 2013, a sua eleição foi uma surpresa tripla: o primeiro latino-americano, o primeiro jesuíta e o primeiro a assumir após a renúncia sem precedentes do seu antecessor, Bento XVI. Ele próprio admitiria ter sido eleito contra a sua vontade, um indício talvez da enorme tarefa que sentia pela frente.

O Homem por Trás do Nome Papa Francisco: Simplicidade e Gestos Fortes

A escolha do nome “Francisco” foi uma declaração de intenções. Uma homenagem a São Francisco de Assis, o santo dos pobres, dos despojados, da natureza. E Bergoglio esforçou-se por viver essa simplicidade: os sapatos gastos, o carro modesto, a recusa inicial em viver nos opulentos apartamentos papais. Era o Papa do sorriso fácil, do comentário espirituoso, do adepto fervoroso do San Lorenzo, que quebrava protocolos com abraços e telefonemas inesperados. Mas os gestos iam além do pessoal. O seu pontificado foi marcado por uma insistência quase obstinada nos “mais pobres e marginalizados”, como sublinhou o Vaticano no anúncio do seu falecimento.

A imagem icónica de Francisco, rezando sozinho na imensa e vazia Praça de São Pedro durante o auge da pandemia de Covid-19, tornou-se um símbolo global de fé perante a adversidade. O seu lema, “Miserando atque eligendo” (“Olhou-o com misericórdia e o escolheu”), traduzia a sua visão de uma Igreja como “hospital de campanha”, aberta a todos, especialmente aos feridos pela vida, e não como uma alfândega a separar justos de pecadores.

Reformas e Resistências: Um Pontificado em Tensão

Eleito num período conturbado para a Igreja, com escândalos de abusos sexuais e uma crescente desconexão com muitos fiéis, Francisco herdou desafios imensos. Não se furtou a eles. Iniciou reformas na Cúria Romana, o complexo governo do Vaticano, com foco particular nas finanças, tentando trazer transparência a instituições historicamente opacas como o banco do Vaticano.

Enfrentou de frente questões fraturantes da modernidade. Foi elogiado por permitir bênçãos a casais do mesmo sexo (ainda que não o casamento sacramental), por colocar mulheres em cargos de maior visibilidade no Vaticano e por lhes dar direito de voto no Sínodo dos Bispos. Contudo, também foi criticado por não ir mais longe, mantendo a porta fechada ao sacerdócio feminino, uma reivindicação histórica de parte das mulheres católicas. Defendia que a escolha de apóstolos homens por Jesus era um pilar intocável.

Esta dualidade – o reformador que em certos pontos se mantinha firme na tradição – gerou-lhe tanto fervorosos apoiantes como acérrimos críticos, especialmente nos círculos mais conservadores da Igreja, que viam com desconfiança as suas aberturas e o seu discurso por vezes político, que não poupava críticas a líderes mundiais ou à indiferença da Europa perante a crise dos refugiados.

A Fragilidade Humana e o Fim do Caminho

Nos últimos tempos, a saúde de Francisco tornou-se uma preocupação visível. As dores no joelho que o obrigaram a usar cadeira de rodas, as cirurgias, e, finalmente, a pneumonia bilateral que o levou a uma longa hospitalização de 40 dias. Mesmo debilitado, tentou manter a sua agenda, pedindo por vezes a auxiliares que lessem os seus discursos. A sua recente recuperação parecia promissora, mas a fragilidade dos 88 anos acabou por se impor.

O Legado de Bergoglio

Papa Francisco morre aos 88 anos — Foto: Juan Mabromata/AFP
O cardeal Jorge Mario Bergoglio em fevereiro de 2013 na Argentina — Foto: Juan Mabromata/AFP

Jorge Mario Bergoglio, o técnico químico que se tornou padre jesuíta, o arcebispo austero de Buenos Aires que chegou a Papa, deixa um legado complexo e inegavelmente marcante. Foi um Papa de “primeiras vezes”, um Papa de gestos fortes e palavras diretas. Procurou recentrar a Igreja na misericórdia e nas periferias geográficas e existenciais. Tentou reformar uma instituição milenar por dentro, enfrentando resistências consideráveis.

Agora, a Igreja entra no período de Sé Vacante. O Camerlengo assume a gestão interina, e em breve, o Colégio Cardinalício reunir-se-á em Conclave para escolher o seu sucessor. O mundo católico prepara-se para as exéquias de Francisco, recordando um Papa que, com o seu estilo próprio e as suas prioridades claras, certamente marcou a história recente.

Mas, para além dos debates teológicos e das reformas institucionais, há uma dor mais íntima que se espalha entre os fiéis—a perda de um pastor que, mesmo com todas as suas contradições, soube falar ao coração dos mais simples. Francisco não foi apenas um reformador; foi um homem que chorou diante do sofrimento alheio, que abraçou crianças com deficiências, que visitou presos e lavou os pés de refugiados. Foi o Papa que, mesmo debilitado pela idade e pela doença, insistiu em estar próximo, ainda que o custo fosse visível no seu rosto cansado.

E é essa humanidade frágil, essa determinação em servir até ao fim, que hoje faz com que milhões sintam a sua partida não apenas como o fim de um pontificado, mas como a despedida de um pai. Num mundo cada vez mais dividido, Francisco lembrou-nos que a compaixão não é sinal de fraqueza, mas a mais pura expressão de força. E, por isso, o seu luto não é apenas da Igreja—é de todos aqueles que, mesmo à margem da fé, reconheceram nele um farol de esperança em tempos sombrios.

Agora, resta-nos guardar as suas palavras: “A vida não é um museu, é uma oficina, e nós estamos aqui para trabalhar.” Francisco trabalhou até ao fim. E o seu legado, como o seu sorriso, permanecerá.

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